sexta-feira, 31 de julho de 2015

HOSPITAL - EXIGÊNCIA DE CHEQUE CAUÇÃO PARA GARANTIR TRATAMENTO - PRÁTICA ABUSIVA



A exigência de cheque caução como condição para internação de emergência é prática abusiva, devendo o hospital que adota esse tipo de conduta ser condenado ao pagamento de danos morais.







Eu já ouvi muitas histórias, e tenho certeza que isso acontece de forma muito corriqueira, sobre o fato de o paciente ao necessitar de atendimento emergencial ser obrigado a emitir cheque caução para realização de procedimentos cirúrgicos e internação em UTI. Em muitos casos, o paciente já está até inconsciente e quem passa por esse drama e assume essa obrigação iníqua são os familiares.
Esse caso ocorre, frequentemente, quando o Hospital não consegue obter uma resposta positiva e imediata da seguradora. Sendo assim, o Hospital se recusa a autorizar o tratamento médico, e exige a emissão de cheque caução para o prosseguimento de qualquer procedimento.

Ocorre que a negativa de pronto atendimento do hospital pode causar sequelas irreversíveis ao paciente.

Ressalte-se que, atualmente, essa conduta é tipificada penalmente, nos termos do art. 135-A do Código Penal, introduzido pela Lei nº 12.653/2012, o que reforça a sua abusividade. Observemos:

Art. 135-A.  Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

Parágrafo único.  A pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte.”

Art. 2º  O estabelecimento de saúde que realize atendimento médico-hospitalar emergencial fica obrigado a afixar, em local visível, cartaz ou equivalente, com a seguinte informação: “Constitui crime a exigência de cheque-caução, de nota promissória ou de qualquer garantia, bem como do preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial, nos termos do art. 135-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.”
Além disso, a exigência de cheque caução para a internação hospitalar transborda o mero aborrecimento da vida cotidiana e gera o dever de indenização por Danos Morais, uma vez que causa aflição e profundo abalo psicológico ao paciente e familiares. Esse já tem sido o entendimento dos Tribunais:
CIVIL. CONSUMIDOR. DANOS MORAIS. EXIGÊNCIA DE CHEQUE-CAUÇÃO PARA INTERNAÇÃO HOSPITALAR. Enseja danos morais, a exigência de cheque-caução para autorizar procedimento cirúrgico, pois, não obstante o direito do nosocômio, de ver reembolsados os valores despendidos com o paciente, não é permitido que a internação esteja condicionada ao pagamento prévio de determinada quantia." (Acórdão n.796880, 20120110999194APC, Relator: JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA, Revisor: VERA  ANDRIGHI, 6ª Turma Cível, Data de Julgamento: 11/06/2014, Publicado no DJE: 27/06/2014. Pág.: 46)

A exigência de cheque caução como condição para internação de emergência é prática abusiva, devendo o hospital que adota esse tipo de conduta ser condenado ao pagamento de danos morais.
Assumindo a parte obrigação excessivamente onerosa, premida da necessidade de salvar pessoa da família, inviável se falar na validade do consentimento quanto à cláusula que exigia cheque caução para a internação. (Acórdão n.762457, 20120110214397APC, Relator: LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS, Revisor: SEBASTIÃO COELHO, 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 19/02/2014, Publicado no DJE: 24/02/2014. Pág.: 210)

Como se observa, afigura-se nulo de pleno direito a conduta do Fornecedor de Serviços que, em violação aos princípios da equidade e da boa-fé, coloca o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, inciso IV, do CDC).

Algumas vezes, o Plano de Saúde não autoriza a realização de procedimentos emergências sob a alegação de que não fora cumprido o prazo de carência.

Contudo, quanto ao prazo de carência, o entendimento consolidado é no sentido de se relativizá-lo em casos de urgência e/ou emergência, devendo-se, em consequência, considerar abusiva a cláusula contratual que restrinja o atendimento emergencial relativo a quaisquer procedimentos que necessitem de internação. Esse posicionamento é decorrente de dispositivo legal, a teor do contido no art. 35-C da Lei nº 9656/1998:

Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:
I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;
II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional;      (Redação dada pela Lei nº 11.935, de 2009)


C O N C L U S Ã O

É abusiva a exigência de cheque caução como condição para internação de emergência.

Essa conduta já é tipificada como crime e é apta a gerar o dever indenizar em Danos Morais, uma vez que que a negativa de atendimento emergencial, principalmente, quando há demora em oferecer resposta, indubitavelmente causa sofrimento profundo, com padecimento psicológico intenso e abalo à dignidade e à honra do paciente e dos familiares.

Por fim, não prevalece o prazo de carência estipulado em contrato de plano de saúde no caso de segurado acometido de doença que exige tratamento emergencial (artigos 12, V, "c", e 35-C, I, da L. 9.656/98).

Artigo elaborado por Júlio Leão - Advogado da Banca Leão Advogados Associados
www.leaoadvogados.com.br

REFERÊNCIA JURISPRUDENCIAL

(Acórdão n.796880, 20120110999194APC, Relator: JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA, Revisor: VERA  ANDRIGHI, 6ª Turma Cível, Data de Julgamento: 11/06/2014, Publicado no DJE: 27/06/2014. Pág.: 46)

(Acórdão n.762457, 20120110214397APC, Relator: LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS, Revisor: SEBASTIÃO COELHO, 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 19/02/2014, Publicado no DJE: 24/02/2014. Pág.: 210)

LEGISLAÇÃO

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - FED LEI-8078/1990
ART- 39 INC- 5 INC- 6

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - FED LEI-8078/1990
ART- 51 PAR- 1 INC- 2

art. 35-C da Lei nº 9656/1998

Código Penal -Lei nº 12.653/2012 - art. 135-A

quinta-feira, 30 de julho de 2015

PLANO DE SAÚDE - ILEGALIDADE DO REAJUSTE EM RAZÃO DA IDADE DO SEGURADO




Ilegalidade do reajuste da mensalidade do plano de saúde motivado unicamente pela mudança da faixa etária do segurado e sem previsão contratual.

 


 
Inicialmente, cumpre destacar que o reajuste de planos de saúde em razão do implemento de idade que configure alteração de faixa etária não encontra vedação legal. Ou seja, é possível que haja reajuste em decorrência da mudança de faixa etária, tanto que esse assunto possui regulação própria na Lei nº 9.656/98, observemos o art. 15 da referida Lei:

Art. 15.  A variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E.

Portanto, o que é inadmissível é o ajuste abusivo, sem previsão contratual, com percentuais radicais.
Como eu sempre destaco nos artigos sobre Plano de Saúde, essa relação jurídica com o segurado deve ser analisada sob o prisma do Código de Defesa do Consumidor. Sendo assim, as cláusulas contratuais que impliquem reajuste da mensalidade do plano de saúde em valor manifestadamente excessivo em razão da idade devem ser consideradas abusivas. 

O Código de Defesa do Consumidor estabelece normas de ordem pública e interesse social, consagrando, em seu artigo 4º, os princípios da boa-fé objetiva, equidade, como também coíbe o abuso de direito:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

Não bastasse a incidência do Código de Defesa do Consumidor, em casos que envolvem a Idade do Segurado, deve-se atentar para o ESTATUTO DO IDOSO, Lei 10.741/2003. Esse Microssistema Jurídico proíbe a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade (artigo 15, § 3º, da Lei nº 10.741/2003).

Esse tema é muito relevante e já foi apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça, que à Época, manifestou-se nos seguintes termos:

PLANO. SAÚDE. AUMENTO. MENSALIDADE. MUDANÇA. FAIXA ETÁRIA. (...) não é possível, por afrontar o princípio da igualdade, que as seguradoras, em flagrante abuso do exercício de tal direito e divorciadas da boa-fé contratual, aumentem sobremaneira a mensalidade dos planos de saúde, aplicando percentuais desarrazoados, que constituem verdadeira barreira à permanência do idoso no plano. Se assim fizessem as seguradoras, criariam fator de discriminação do idoso com o objetivo escuso e ilegal de usar a majoração para desencorajar o segurado a permanecer no plano, o que não pode ser tolerado. REsp 866.840-SP, Rel. originário Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 7/6/2011.

Importante destacar que no julgado supracitado, estava-se discutindo um aumento da ordem de 40%, por mudança de faixa etária. Sendo assim, um aumento dessa proporção foi considerado abusivo pelo Judiciário por não se compatibilizar com o ordenamento jurídico pátrio.

Contudo, entendo ser importante frisar que não é todo e qualquer reajuste no Plano de Saúde que seja decorrente por mudança de faixa etária que deve ser considerado abusivo. Em outro julgado do STJ mais recente (Resp 1.381.606-DF, julgado em 7/10/2014) houve algumas concessões e balizas fixadas pelos Ministros julgadores. Sendo assim, o advogado deve ser muito cauteloso e observar os seguintes requisitos: 

a)                 É possível o aumento do Plano de Saúde por faixa etária desde que estas e os respectivos percentuais estejam explícitos no contrato.
b)                 A última faixa etária que pode sofrer reajuste é a de 70 anos em diante.
c)                  O valor do último reajuste não pode ultrapassar seis vezes o valor da primeira faixa etária - de 0 a 17 anos. Conforme Resolução n. 6 da CONSU.


C O N C L U S Ã O

Para que a cláusula do reajuste seja considerada válida em razão de mudança da faixa etária, devem ser atendidas as seguintes condições: previsão no instrumento negocial, respeito aos limites e demais requisitos estabelecidos na Lei n. 9.656/1998 e observância do princípio da boa-fé objetiva.

Sempre que houver reajuste unilateral, sem previsão contratual, e essa majoração for desproporcional, pode-se requerer judicialmente a declaração da ilegalidade do aumento. Além disso, o reajuste não pode ter caráter discriminante, desarrazoado, que, em concreto, traduza verdadeiro fator de discriminação do idoso, por visar dificultar ou impedir a permanência dele no seguro-saúde.

Artigo elaborado por Júlio Leão - Advogado da Banca Leão Advogados Associados (www.leaoadvogados.com.br) 

JULGADOS USADOS COMO REFERÊNCIA

1) REsp 1.381.606-DF, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio De Noronha, julgado em 7/10/2014.

2) REsp 866.840-SP, Rel. originário Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 7/6/2011.

Legislação

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ART-51, INC-IV
ESTATUTO DO IDOSO LEI 10.741/2003  ART-15, § 3º
CONSU RES-06/1998 ART- 1